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Café com leite, combinação que vai bem do campo à mesa


O produtor Juan Travain é o campeão, na categoria canéfora (robusta e conilon), do 17º Concurso Nacional de Qualidade do Café – Origens do Brasil – Safra 2020, realizado pela Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC). Segundo Juan, em sua trajetória na cafeicultura, ele aplicou conhecimentos adquiridos também no programa Balde Cheio, voltado para a produção de leite, no qual atua desde 2014.

“A metodologia que a gente usa no Balde Cheio tem muitas similaridades com a produção de café com qualidade. Eu busquei aplicar o que aprendi e estamos colhendo bons resultados”, conta Juan, que é do município de Cacoal, Rondônia. Ele obteve 8,8 pontos em seu café de preparo natural no concurso e vendeu cada saca por R$1.450,00, três vezes mais que o valor da commodity no mercado.

O Balde Cheio é uma metodologia de transferência de tecnologia que tem como foco principal a capacitação continuada de técnicos da extensão rural e pecuaristas em produção intensiva de leite. Neste processo, a propriedade rural é a sala de aula. “O técnico é treinado dentro do ambiente do produtor, respeitando sua realidade, as dificuldades e a sua capacidade de investimento”, conta André Novo, chefe de transferência de tecnologia da Embrapa Pecuária Sudeste e coordenador do programa Balde Cheio. Ele acrescenta que, como metodologia de capacitação, o Balde Cheio pode ser aplicado a qualquer conceito, ensinamento ou troca de experiência em qualquer atividade. “Não é uma metodologia exclusiva à atividade leiteira”, afirma Novo


Os conceitos desta metodologia já foram adaptados para gado de corte (programa Bifequali TT), sistemas integrados de produção (capacitação continuada de integração lavoura-pecuária-floresta na Embrapa Pecuária Sudeste), também para produção de cabras, búfalas e abelhas. Fora da Embrapa, de acordo com André Novo, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – Senar, do Rio de Janeiro, implantou o projeto Bule Cheio, com a cultura do café na região serrana do estado.

Para o coordenador do Balde Cheio, Juan é um empresário de visão. “Ele diz que aplica a metodologia não só na atividade leiteira, mas na cafeicultura e também no hotel de que é um dos proprietários. Ele usa o conceito de organização, de combinados, de fazer as coisas de forma paulatina, ou seja, conceitos embutidos na metodologia que a gente trabalha no Balde Cheio”, ressalta.

Juan conta que quando começou no programa Balde Cheio, em 2014, foram muito trabalhadas as questões de como cuidar do solo, fazer as anotações necessárias e de pensar a cadeia de produção como um todo: qual animal serve pra determinado sistema, tipo de adubação para a pastagem, a organização dos piquetes, não ter barro nos carreadores, ordenha bem feita, entre outros. “Tudo foi pensado para ter a produção mais eficiente de leite e com qualidade”, conta Juan. 

Ele lembra que, quando começou na cafeicultura, em 2017, por ter essa experiência de organização do Balde Cheio, aplicou muito os conhecimentos. Os clones de café que ele escolheu, por exemplo, optou por aqueles de menor porte. “Isso porque, comparando com a produção de leite, as vacas que são muito grandes, pro nosso sistema, dão problema de casco por serem muito pesadas, pode dar problema de úbere, por hectare acaba tendo menor produção do que vacas medianas, a temperatura do corpo delas é maior, então elas sofrem mais com o calor. Aí, no café, a gente escolheu plantas medianas em termos de porte”, explica.

Na organização da lavoura, Juan escolheu plantar o café com espaçamento de 3,20m X 0,90m, além de facilitar a colheita semimecanizada, confere mais espaço para as plantas. “É a mesma lógica que usamos para as vacas no pasto, o espaçamento por hectare pelo número de animais. São regras que, pra mim, se aplicam às duas coisas. Fizemos isso e fomos tendo acerto”, diz Juan. Além disso, a organização dos setores do café também levou em conta o sistema de irrigação utilizado e bem dimensionado. “Pra ter ideia, somos o segundo produtor do estado a fazer curva de retenção no solo, para saber quanto nosso solo suporta de água. Tudo isso foi por conta do Balde Cheio, que estuda também a questão da irrigação: quantos milímetros de água tem que jogar por dia na pastagem, e no café? Tudo isso foi pensado na hora de fazer a irrigação”, comenta. 

Outra coisa que chamou bastante a atenção do produtor foi a questão da qualidade de pós-colheita do café. “Nas vacas a gente faz ordenha, vê quanto tempo uma vaca fica neste processo. E no café vemos quanto tempo temos pra tirar o café do pé e levar para a secagem. Então, nós dimensionamos o equipamento de pós-colheita do café para fazer a seca sem perder qualidade do grão. No leite fizemos isso pra não perder qualidade no leite, pois a ordenha precisa ser rápida pra não estressar a vaca e tem que gelar o leite o mais rápido possível. No café a gente faz isso pra planta não ficar com o fruto do café mais tempo que deveria, demorar pra colher pode estragar o grão. Então, tudo isso foi pensado porque é muito compatível com a produção de leite”, compara Juan. 

Na parte de comercialização também há similaridades. “O Balde Cheio ensina a gente a sempre procurar o melhor negócio, fazer parcerias, não se prender a um laticínio só e sim a parceiros comerciais que pagam melhor e que entendem nosso trabalho. Então, nós partimos para uma pós-colheita e comercialização diferente também para o café, pela nossa experiência com o leite e também com o comércio. Assim, conseguimos exportar nosso café com melhores preços”, afirma o produtor.

Quanto ao projeto realizado para o beneficiamento do café, Juan fala sobre a preocupação com os valores de investimentos. “Aprendi a fazer o é preciso e a economizar no que não é necessário fazer. Isso o Balde Cheio nos ensina: fazer investimentos de acordo com a real necessidade e, se sobrar, faz as demais ações”, explica Juan, complementando que o foco na produção com eficiência, dará o retorno necessário para ampliar os investimentos.


Atualmente, o sistema de pecuária de leite da família conta com 72 animais em produção, em uma área de 22 hectares, produzindo 1.200 litros de leite ao dia. Todo o leite tirado é processado na agroindústria da família, que é conduzida por três sócios: Juan Travain, sua esposa Keren Ribeiro e o sogro Ovídio Ribeiro. 

O foco é a produção de iogurte, que se tornou referência em Rondônia. No laticínio, atuam oito colaboradores, já na produção de leite, são três. A parte de campo, manejo, ordenha e produção de leite com qualidade é coordenada por Juan. Na agroindústria, Ovídio é responsável pelo processamento e produção, Keren atua na administração financeira, de pedidos e entregas, assim como no controle de planilhas e vistorias. Juan atua na compra de equipamentos e no apoio às ações de venda e todos juntos cuidam do controle de qualidade. “Todas as decisões são tomadas em conjunto”, conta Keren.

A cafeicultura da família está em uma área de 96 hectares, com uma produção estimada em 8.500 sacas de 60 quilos de café para esta safra. Nesta cultura agrícola, atuam 17 colaboradores, desde o campo até o beneficiamento, e as ações são conduzidas por cinco sócios, sendo Juan, mais três irmãos e mais um amigo. O principal objetivo da produção é atender o mercado interno e externo com café em grão cru.

Por Renata Silva
Jornalista Agro

Escrito por Higor Garcia